Morto na 2ª Guerra? O que se sabe sobre o mistério
do irmão alemão de Chico Buarque
19/06/2024 - 9:23
Para compartilhar:
Nem mesmo a internet permitiu
desvendar um curioso mistério que perdura há décadas na família Buarque de
Hollanda: o paradeiro de Sérgio Georg Ernst, nascido em Berlim por volta de
1930, filho de Anne Margerithe Ernst com Sérgio Buarque de Hollanda. Quase 80
anos depois, o destino de um dos descendentes do autor de Raízes do Brasil
(1936) permanece incógnito.
A probabilidade de o alemão
Sérgio Georg ter morrido durante a Segunda Guerra Mundial ou em decorrência
dela é ainda a hipótese mais forte que se cogita. Berlim e Munique – cidade de
origem de Anne Margerithe, para a qual mãe e filho podem ter voltado – estavam
no olho do furacão desde a ascensão de Adolf Hitler ao poder, em 1933.
Correspondente na Alemanha
Em 1929, Sérgio Buarque de
Hollanda chegou à Alemanha, incumbido de realizar reportagens para O Jornal,
publicação de Assis Chateaubriand. Desembarcando em Hamburgo e seguindo logo
para Berlim, o brasileiro tinha planos de passar também pela Polônia e pela
Rússia, mas a visita à então União Soviética acabou não acontecendo por
questões burocráticas.
A estadia em Berlim, que durou até o Natal de 1930, foi um
período central na formação do historiador e sociólogo, no qual teve
oportunidade de entrevistar, entre outros, o escritor Thomas Mann, além de
travar contato com intelectuais europeus de várias áreas, frequentar aulas de
História e Ciências Sociais na Universidade de Berlim e ainda colaborar com
revistas teuto-brasileiras.
O pensador paulistano acabou
até trabalhando para a produtora cinematográfica UFA (Universum Film), fazendo
versões em português para diversos filmes alemães, entre eles o clássico Anjo
Azul, de Josef von Sternberg, estrelado por Marlene Dietrich. Isso tudo, claro,
sem abrir mão do direito à boemia.
A estadia em Berlim, que durou até o Natal de 1930, foi um
período central na formação do historiador e sociólogo, no qual teve
oportunidade de entrevistar, entre outros, o escritor Thomas Mann, além de
travar contato com intelectuais europeus de várias áreas, frequentar aulas de
História e Ciências Sociais na Universidade de Berlim e ainda colaborar com
revistas teuto-brasileiras.
O pensador paulistano acabou
até trabalhando para a produtora cinematográfica UFA (Universum Film), fazendo
versões em português para diversos filmes alemães, entre eles o clássico Anjo
Azul, de Josef von Sternberg, estrelado por Marlene Dietrich. Isso tudo, claro,
sem abrir mão do direito à boemia.
“Papai ficou muito triste quando
veio a guerra, porque tinha lembranças de um tempo muito feliz na Alemanha”,
afirma a cantora e compositora Ana de Hollanda, um dos sete filhos de Sérgio
Buarque com Maria Amélia de Carvalho Cesário Alvim.
A revelação do poeta
A primeira vez que um dos filhos
de Sérgio e Maria Amélia ouviu falar da existência de um irmão na Alemanha foi
durante um encontro que Chico Buarque teve na casa do poeta pernambucano Manuel
Bandeira. Acompanhado de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que era grande amigo
de seu pai, Chico ouviu Bandeira tocar piano, mas o que mais o impressionou foi
a revelação feita pelo poeta de que Sérgio Buarque tinha um filho na Alemanha.
“Eu fiquei muito chocado e,
quando pude ir a São Paulo [cidade em que o historiador vivia], perguntei ao
meu pai sobre isso. No começo, ele não quis falar, mas depois abriu o jogo”,
contou Chico à Folha de S.Paulo em janeiro de 1994.
Ana, irmã de Chico, revela mais
detalhes: “Meu pai conheceu Anne Margerithe e viveu com ela em Berlim. Acho que
ele soube aqui no Brasil que ela tinha engravidado e colocado o nome de Sérgio
Georg Ernst no filho. Papai se casou com minha mãe em 1936 e, quando veio a
guerra e a perseguição aos judeus, Anne Margerithe pediu a meu pai que enviasse
documentos que comprovassem que ele não tinha ascendência judaica.”
Segundo Ana, sua mãe chegou até a
oferecer que Anne mandasse o menino ao Brasil enquanto aquela situação
perdurasse. “Minha mãe encarou essa e papai escreveu para a mãe do menino,
dizendo que estava casado e que ele e minha mãe poderiam cuidar da criança”,
conta Ana.
“A gente sabe muito pouco sobre
ele. Vi duas fotos dele pequeno e sabia que a mãe era de Munique”, continua.
“Papai conseguiu o atestado de batismo dele e o mandou. Perguntou se Anne não
queria enviar o menino, mas ela não respondeu. Acho que não estava querendo
muita conversa com meu pai. E nunca mais se teve notícias. Com a guerra, as
pessoas se mudaram, e pode até ser que, aos 14 anos, Sérgio Georg tenha sido
convocado.”
Procura em vão
Ana de Hollanda se lembra
perfeitamente da época em que a história do irmão veio à tona. “Essas coisas de
família são sempre meio complicadas. Naquele tempo, tudo era meio secreto,
apesar de não haver problema algum, já que papai não era casado nem nada”.
Em entrevista à revista
Realidade, em 1974, Sérgio Buarque de Hollanda foi categórico ao descrever a
relação que mantinha com a família: “Eu, Maria Amélia e nossos filhos sempre
nos tratamos com igualdade, sem relações formais. E, principalmente, não conhecemos
a mentira”.
De lá pra cá, os Buarque de
Hollanda nunca abandonaram por completo a hipótese de conhecer Sérgio Georg.
Chico Buarque, o integrante mais famoso da família, contou diversas vezes à
imprensa – inclusive à estrangeira – sobre a existência de um irmão na
Alemanha, mas nenhuma novidade apareceu a respeito.
O próprio Sérgio Buarque chegou a
procurá-lo. “Papai voltou à Alemanha, se eu não me engano, em 1977 e procurou
pelo filho, principalmente na região de Munique, para ver se o encontrava. Eu e
Chico também o procuramos na Alemanha, mas não encontramos pistas. Ele também
nunca nos procurou. Nunca houve nenhuma manifestação dele em busca de nossa
família”, revelou Ana de Hollanda à Deutsche Welle.
A passagem de Sérgio Buarque de
Hollanda pela Alemanha contribuiu substancialmente para que o historiador
concluísse Raízes do Brasil. “Escrevi dois capítulos na Alemanha, quando lá
morei”, declarou Sérgio Buarque à imprensa brasileira em 1976. Mas o público
alemão só teve acesso à obra em 1995, quando foi publicada pela editora
Suhrkamp, de Frankfurt.
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