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quarta-feira, 18 de março de 2015

A NOITE INSONE

O artigo de Liana Sabo,colega de profissão e minha amiga pessoal, é uma lição de história para quem, como nós, não viveu de perto aquele momento.,Os mais jovens deveriam ler e guardar
ARTIGO
A noite insone
Por Liana Sabo
Publicação: 14/03/2015 04:00
Trinta anos atrás, eu era repórter na área de política externa. A fim de me desincumbir com eficiência da tarefa, voltei à universidade para cursar cadeiras de relações internacionais, ministradas por embaixadores aos quais ouvia e entrevistava no Itamaraty. Para o jornalismo daquela época, o setor dava mais ibope que a política interna.
O Brasil começava a ter a importância (o peso específico, no jargão dos diplomatas) reconhecida. Tanto a direita quanto a esquerda torciam pelo advento da Nova República. Tancredo era o cara! Natural que para a sua posse quisesse vir todo o mundo.
Na manhã de 14 de março de 1985 (era quinta-feira), os primeiros a chegar vinham de mais perto: os presidentes Raúl Alfonsín, da Argentina, e Julio María Sanguinetti, do Uruguai. À tarde, a revoada de aeronaves na Base Aérea ficou mais intensa. Até um Ilyushin, de fabricação soviética, trouxe a bordo o charmoso comandante sandinista Daniel Ortega, presidente da Nicarágua.
O então ministro das Relações Exteriores, Ramiro Elísio Saraiva Guerreiro, cumpria a protocolar recepção, descansando na estação de passageiros entre um pé de escada de avião e outro. Tudo transcorria de acordo com o previsto até o fim da missa, da qual o presidente eleito saiu com a mão no baixo ventre e uma careta de dor.
Um raio não teria tido efeito maior do que essa notícia na redação. E agora? Com o redentor deitado numa mesa de cirurgia no Hospital de Base, quem assumiria a nação? O vice-presidente ou o presidente da Câmara dos Deputados?
Pela falta de uso, não estava à mão a Constituição, guardada na biblioteca do Correio, que já tinha fechado as portas. O meio mais rápido era alguém trazer a Carta Magna até nós. Foi o que fez meu sobrinho Eduardo Sabo, que, a bordo de sua moto, veio com a mochila do curso de direito da UnB até a redação nos salvar.
Enquanto o Brasil inteiro discutia se seria Sarney ou Ulysses a substituir o enfermo em tão má hora, voltei à Base Aérea para uma última cobertura. Eram mais de duas horas do dia 15 de março quando desembarcou o gigante cubano, cujo olhar agudo impressionou quem o esperava. Mesmo a distância, deu para entender, por leitura labial, a pergunta do atônito Fidel Castro a um diplomata brasileiro: “Qué pasa?”
Passaram-se as horas, raiou o dia e voltei para casa. Depois de um banho, me vesti para chegar cedo à posse no Palácio do Planalto. Quando José Sarney, emocionado, abriu o discurso dizendo “Estou com os olhos de ontem”, comentei baixinho no quadrado da imprensa, em frente às autoridades: “Eu também, presidente”. Assim, tresnoitada, vi renascer a democracia.
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