Marisa Letícia Lula da Silva: as palavras que precisavam ser ditas
– por Hildegard Angel
Publicado
em 27/01/2017
Foram
oito anos de bombardeio intenso, tiroteio de deboches, ofensas de todo jeito,
ridicularia, referências mordazes, críticas cruéis, calúnias até. E sem o
conforto das contrapartidas. Jamais foi chamada de “a Cara” por ninguém, nem
teve a imprensa internacional a lhe tecer elogios, muito menos admiradores
políticos e partidários fizeram sua defesa. À “companheira” número 1 da
República, muito osso, afagos poucos. Ah, dirão os de sempre, e as mordomias?
As facilidades? O vidão? E eu rebaterei: E o fim da privacidade? A imprensa
sempre de olho, botando lente de aumento pra encontrar defeito? E as
hostilidades públicas? E as desfeitas? E a maneira desrespeitosa com que foi
constantemente tratada, sem a menor cerimônia, por grande parte da mídia?
Arremedando-a, desfeiteando-a, diminuindo-a? E as frequentes provas de
desconfiança, daqui e dali? E – pior de tudo – os boatos infundados e maldosos,
com o fim exclusivo e único de desagregar o casal, a família? Ah, meus
queridos,Marisa Letícia Lula da Silva precisou
ter coragem e estômago para suportar esses oito anos de maledicências e
ataques. E ela teve.
Começaram
criticando-a por estar sempre ao lado do marido nas solenidades. Como se
acompanhar o parceiro não fosse o papel tradicional da mulher mãe de família em
nossa sociedade. Depois, implicaram com o silêncio dela, a “mudez”, a maneira
quieta de ser. Na verdade, uma prova mais do que evidente de sua sabedoria.
Falar o quê, quando, todos sabem, primeira-dama não é cargo, não é emprego, não
é profissão? Ah, mas tudo que “eles” queriam era ver dona Marisa Letícia se
atrapalhar com as palavras para, mais uma vez, com aquela crueldade venenosa
que lhes é peculiar, compará-la à antecessora, Ruth
Cardoso, com seu colar poderoso de doutorados
e mestrados. Agora, me digam, quantas mulheres neste grande e pujante país
podem se vangloriar de ter um doutorado? Assim como, por outro lado, não são
tantas as mulheres no Brasil que conseguem manter em harmonia uma família
discreta e reservada, como tem Marisa Letícia. E não são também em grande
número aquelas que contam, durante e depois de tantos anos de casamento, com o
respeito implícito e explícito do marido, as boas ausências sempre feitas por Luís
Inácio Lula da Silva a ela, o carinho frequentemente
manifestado por ele. E isso não é um mérito? Não é um exemplo bom?
Passemos
agora às desfeitas ao que, no entanto, eu considero o mérito mais relevante de
nossa ex-primeira-dama: a brasilidade. Foi um apedrejamento sem trégua, quando
Marisa Letícia, ao lado do marido presidente, decidiu abrir a Granja do Torto
para as festas juninas. A mais singela de nossas festas populares, aquela com
Brasil nas veias, celebrando os santos de nossas preferências, nossa culinária,
os jogos e as brincadeiras. Prestigiando o povo brasileiro no que tem de
melhor: a simplicidade sábia dos Jecas Tatus, a convivência fraterna, o riso
solto, a ingenuidade bonita da vida rural. Fizeram chacota por Lula colar
bandeirinhas com dona Marisa, como se a cumplicidade do casal lhes causasse
desconforto. Imprensa colonizada e tola, metida a chique. Fazem lembrar
“emergentes” metidos a sebo que jamais poderiam entender a beleza de um pau de
sebo “arrodeado” de fitinhas coloridas. Jornalistas mais criteriosos saberiam
que a devoção de Marisa pelo Santo Antônio, levado pelo presidente em
estandarte nas procissões, não é aprendida, nem inventada. É legitimidade pura.
Filha de um Antônio (Antônio João Casa), de família de agricultores italianos
imigrantes, lombardos lá de Bérgamo, Marisa até os cinco de idade viveu num
sítio com os dez irmãos, onde o avô paterno, Giovanni Casa, devotíssimo,
construiu uma capela de Santo Antônio. Até hoje ela existe, está lá pra quem
quiser conferir, no bairro que leva o nome da família de Marisa, Bairro dos
Casa, onde antes foi o sítio de suas raízes, na periferia de São Bernardo do
Campo. Os Casa, de Marisa Letícia, meus amores, foram tão imigrantes quanto os
Matarazzo e outros tantos, que ajudaram a construir o Brasil.
Outro
traço brasileiro dela, que acho lindo, é o prestígio às cores nacionais, sempre
reverenciadas em suas roupas no Dia da Pátria. Obras de costureiros nossos, nomes
brasileiros, sem os abstracionismos fashion de quem gosta de copiar a moda
estrangeira. Eram os coletes de crochê, os bordados artesanais, as rendas
nossas de cada dia. Isso sim é ser chique, o resto é conversa fiada. No poder,
ao lado do marido, ela claramente se empenhou em fazer bonito nas viagens, nas
visitas oficiais, nas cerimônias protocolares. Qualquer olhar atento percebe
que, a partir do momento em que se vestir bem passou a ser uma preocupação,
Marisa Letícia evoluiu a cada dia, refinou-se, depurou o gosto, dando um olé
geral em sua última aparição como primeira-dama do Brasil, na cerimônia de
sábado passado, no Palácio do Planalto, quando, desculpem-me as demais, era
seguramente a presença feminina mais elegante. Evoluiu no corte do cabelo, no
penteado, na maquiagem e, até, nos tão criticados reparos estéticos, que a
fizeram mais jovem e bonita. Atire a primeira pedra a mulher que, em posição de
grande visibilidade, não fez uma plástica, não deu uma puxadinha leve, não
aplicou uma injeçãozinha básica de botox, mesmo que light, ou não recorreu aos
cremes noturnos. Ora essa, façam-me o favor!
Cobraram
de Marisa Letícia um “trabalho social nacional”, um projeto amplo nos moldes do
Comunidade Solidária de Ruth Cardoso. Pura malícia de quem queria vê-la cair na
armadilha e se enrascar numa das mais difíceis, delicadas e técnicas esferas de
atuação: a área social. Inteligente, Marisa Letícia dedicou-se ao que ela
sempre melhor soube fazer: ser esteio do marido, ser seu regaço, seu sossego.
Escutá-lo e, se necessário, opinar. Transmitir-lhe confiança e firmeza. E isso,
segundo declarações dadas por ele, ela sempre fez. Foi quem saiu às ruas em
passeata, mobilizando centenas de mulheres, quando os maridos delas,
sindicalistas, estavam na prisão. Foi quem costurou a primeira bandeira do PT.
E, corajosa, arriscou a pele, franqueando sua casa às reuniões dos
metalúrgicos, quando a ditadura proibiu os sindicatos. Foi companheira, foi
amiga e leal ao marido o tempo todo. Foi amável e cordial com todos que dela se
aproximaram. Não há um único relato de episódio de arrogância ou desfeita feita
por ela a alguém, como primeira-dama do país. A dona de casa que cuida do
jardim, planta horta, se preocupa com a dieta do maridão e protege a família
formou e forma, com Lula, um
verdadeiro casal. Daqueles que, infelizmente, cada vez mais escasseiam.
Este
é o meu reconhecimento ao papel muito bem desempenhado por Marisa
Letícia Lula da Silva nesses oito anos. Tivesse dito tudo
isso antes, eu seria chamada de bajuladora. Esperei-a deixar o poder para lhe
fazer a Justiça que merece.
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